Entrada de mulheres no movimento sindical é fundamental para formulação de políticas de gênero

Para diretora da mulher da Fisenge, luta de classes promovida pelos Sindicatos precisa ser interseccionada com o feminismo, o transfeminismo, o feminismo negro, entre outras frentes de luta. “Não se trata apenas de luta de classes, mas também de luta contra o patriarcado”, afirma ela

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Simone Baía é engenheira química e diretora da mulher da Federação Intersindical de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) e, nesta entrevista, em comemoração do Mês da Mulher, ela reforça a importância da organização política em sindicatos como forma de enfrentar, coletivamente, a violação de direitos e opressão às mulheres nos locais de trabalho, nas universidades e nos lares.

Para ela, entidades de classe, como a Fisenge e o SASP, precisam debater em seus espaços o combate aos assédios moral e sexual, a ampliação das licenças maternidade e paternidade, a divisão das responsabilidades familiares e domésticas e o enfrentamento ao machismo, ao racismo, ao etarismo, à gordofobia, à LGBTfobia e todas as formas de opressão. Leia a entrevista.

Primeiramente, gostaríamos de entender em qual contexto surgiu a Diretoria da Mulher e com quais propósitos de ação. Havia muitas denúncias e reclamações de ações sexistas e misóginas? Quais?

A Diretoria da Mulher é uma construção coletiva de engenheiras que se organizaram pela primeira vez em 2005. Em 2008, durante o 8º Consenge, em Florianópolis, Santa Catarina, ainda sem a criação da Diretoria da Mulher, as mulheres profissionais organizadas avançaram em suas reivindicações com a criação, por deliberação da Assembleia Geral, do Coletivo de Mulheres, composto de profissionais representantes dos sindicatos filiados à Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge). Após alguns anos de luta, conseguimos, em 2010, a mudança do estatuto que passou a incluir a Diretoria da Mulher.

Qual a diferença entre o Coletivo de Mulheres e a Diretoria da Mulher?

A principal diferença está nos objetivos. A Diretoria da Mulher tem como objetivos: articular, propor e participar de ações e políticas relativas a gênero; coordenar o Coletivo de Mulheres, instância consultiva cujas atividades são definidas por regimento próprio; propor a defesa dos interesses específicos das mulheres nos processos de negociação coletiva dos quais a Fisenge participa. Enquanto que o Coletivo, tem como finalidade aumentar o número de engenheiras filiadas aos sindicatos; pautar os direitos de gênero nas negociações realizadas pelas entidades e contribuir e participar das lutas das mulheres trabalhadoras.

Quais são ações internas e  externas que a Diretoria da Mulher promove? Quais as dificuldades de trabalhar em uma escala nacional em uma categoria preponderantemente marcada pelo machismo?

Temos promovido campanhas para o Dias Internacional e Nacional da Mulher; Outubro Rosa; contra assédio moral; pelo fim da violência contra a mulher; combate ao assédio moral; divisão das responsabilidades familiares e domésticas; ocupação dos espaços de poder. A comunicação com as engenheiras e a sociedade é uma constante preocupação e, por isso, criamos o boletim eletrônico do Coletivo de Mulheres da Fisenge, distribuído mensalmente.

Lançada no dia 8 de março de 2013, a primeira tirinha da série “Histórias de Eugênia: mulher, mãe e engenheira” tem o objetivo de contar histórias pelas quais milhares de trabalhadoras passam todos os dias, desde o assédio moral, acúmulo de jornada, terceirização até violência doméstica.  Esta iniciativa ganhou ampla repercussão em todo o Brasil, também foi traduzida para o inglês e também um dos objetos de estudo de uma pesquisa de doutorado da Fundação Carlos Chagas.

Também promovemos a divulgação de matérias e artigos sobre gênero, política e direito do trabalhador (a) no site (www.fisenge.org.br) e Facebook da Fisenge (www.facebook.com/federacaofisenge). Elaboramos uma cartilha sobre os “Direitos das Profissionais”; produzimos um vídeo sobre assédio moral. Pensando na importância do debate e na aglutinação da base na temática de gênero, também promovemos seminários nacionais com os temas “Mulher e o Mercado de Trabalho, em  Salvador (BA); “Assédio Moral: vida, sobrevida e diversidade”; “Empoderamento Feminino”, no Recife (PE) e “Transfeminismo e o mundo do Trabalho”, em Aracaju (SE). Em datas importantes e momentos da conjuntura nacional, divulgamos matérias e artigos  da Diretoria da Mulher sobre política de gênero em jornais e sites de circulação nacional.

O ambiente o sindical, muitas vezes, é marcado por algumas práticas machistas. Vocês conseguiram definir políticas e colocá-las em práticas dentro da Fisenge?

A forte inserção da mulher no mercado de trabalho e suas contradições como o acúmulo de jornada de trabalho e as diferenças salariais fizeram com que nós, mulheres, ocupássemos espaço também no movimento sindical. A engenharia ainda é majoritariamente masculina, mas temos percebido também o aumento de mulheres nas universidades. A entrada das mulheres no movimento sindical é fundamental para o debate e a formulação de políticas de gênero. E isso se reflete na negociação coletiva. Nós, na Fisenge, conseguimos acumular uma pauta de reivindicações específicas, principalmente no que tange às cláusulas sociais, como ampliação das licenças maternidade e paternidade, auxílio-creche, justificativa de falta em acompanhamento de consultas médicas dos filhos. O desafio é mobilizar a base, acumular debate dentro do movimento sindical e conquistar avanços na organização da classe trabalhadora. A luta por igualdade de direitos entre homens e mulheres é de toda a sociedade. Nesse sentido, a existência de uma Diretoria específica da Mulher e de um Coletivo de Mulheres dentro da Fisenge representa um avanço, além de representar um aumento da ocupação dos espaços por nós, mulheres.

Como você analisa o movimento feministas nos dias de hoje e sua intersecção com a luta de classes?

Historicamente, nós, mulheres sempre estivemos fortemente engajadas nas manifestações políticas. E negar isso é reforçar o que a História, muitas vezes apagou: a nossa representatividade política e social. Mas, sim, sempre estivemos em todas as mobilizações, desde a luta pela campanha “O Petróleo é nosso” (aqui lembro a lutadora Maria Augusta Tibiriçá) até pelo fim da ditadura militar (Criméia de Almeida, Zuzu Angel, Clara Ant, entre muitas). Atualmente, o movimento feminista, com o advento das redes sociais, tem conquistado mais visibilidade, uma vez que a sociedade patriarcal sempre tenta apagar a memória de luta das mulheres. A cada dia, jovens se engajam na luta e promovem debate sobre gênero nas escolas e universidades. Há algumas semanas, fui convidada para participar da I Semana Acadêmica de Engenharia Civil em São João del Rei (MG). A organização do evento era composta por mulheres e houve a preocupação com o debate de gênero. Foi muito bonito ver jovens mulheres provocando a discussão sobre direitos e igualdade.  A luta de classes precisa ser interseccionada com o feminismo, o transfeminismo, o feminismo negro, entre outras frentes de luta. E não se trata apenas de luta de classes, mas também de luta contra o patriarcado.

Queremos o fim da sociedade de classes e também o fim das hierarquias sociais. Não podemos fazer o debate de luta de classes negando as hegemonias sociais instauradas a partir de privilégios. Nós queremos falar sobre direitos e, sim, precisamos interseccionar as lutas como um objetivo comum de solidariedade e apoio entre todas as mulheres, negras, lésbicas, transexuais, indígenas, idosas, etc.

A feminista negra e escritora nigeriana, Chimamanda Adichie resume em uma frase: “A história única cria estereótipos. E o problema com os estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que sejam incompletos. Eles fazem uma história tornar-se a única história”. Vamos contar a diversidade e a pluralidade de nossas histórias, e não reforçar hegemonias sociais.

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