O Rio de Janeiro é uma cidade deserta

Gregorio Duvivier

Cresci ouvindo que o Rio não tem espaço pra nada porque fica espremido entre o mar e a montanha, é por isso que o aluguel é tão caro, e é por isso que as pessoas se amontoam nos morros e nas áreas de risco, porque não tem espaço pra elas, por isso não tem teatros nem casas de show, porque são muito espaçosas, por isso, se você é artista, não tem espaço pra sua peça, não tem espaço pra sua música, não tem espaço pra você, afinal essa cidade não tem pra onde crescer, e pra piorar não para de chegar gente, gente que vem da Europa, gente que vem do Nordeste, e pra piorar não para de nascer gente nessa cidade espremida, então más notícias, cada dia vai ter cada vez menos espaço pra você.

Enquanto isso, a cidade ia ficando deserta. Hotéis e teatros que antes eram cheios de gente foram sendo demolidos pra virar nada –ou estacionamentos, que são uma variação do nada–, famílias foram removidas do lugar em que passaram uma vida inteira pra dar espaço pra um evento que vai durar duas semanas –e para o qual não foram nem sequer convidadas.

Enquanto a gente foi se espremendo, o hotel Glória ficou vazio, o teatro Glória ficou vazio, o hotel Nacional ficou vazio, a Vila Autódromo ficou vazia e daqui um mês a Vila Olímpica, aposto, vai ficar vazia, o teatro do Jockey ficou vazio, o prédio A Noite, onde era a rádio Nacional, ficou vazio, a praça Paris, à noite, fica vazia, porque fica trancada, a Academia Brasileira de Letras fica vazia de gente viva enquanto uma dúzia de mortos tomam chá, o edifício Serrador ficou vazio, o antigo IML ficou vazio, no centro da cidade 300 prédios ficaram vazios, o Canecão ficou vazio, mas esse não tá mais. Se a gente deixasse, ficaria vazio pra sempre.
O Rio tinha dois campos de golfe. Na Rocinha, 100 mil pessoas se amontoavam com vista para cem hectares de gramado batidinho ocupados por uma dúzia de homens de camisa polo. A prefeitura achou que esses caras estavam muito espremidos e fez um terceiro campo de golfe, só pra Olimpíada. O vazio não é um acaso. O vazio é um projeto.
Se a gente tá aqui espremido, a culpa não é do mar nem da montanha. A culpa é de um projeto de cidade em que não cabe a gente. Ocupar é resistir. Não é só encher de gente, é encher de significado. Os espaços precisam da gente tanto quanto a gente precisa deles. 
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